Publicado por: algosolido | 15 de abril de 2012

Uma boa descrição do mal – Parte 2

Feminismo sem Ativismo Político

Toda a situação sugere que  Peggy é virgem, e nota-se na postura do médico – apesar de um diálogo que choca nos  dias atuais  e também na postura de Don, que ambos admiram a virgindade de Peggy e gostariam que ela permanecesse assim até casar-se. Admiram a virtude, e particularmente no caso de Don, não conseguem vivê-la. Pode-se argumentar que Don rejeita o assédio de Peggy apenas por não querer problemas no ambiente de trabalho. Essa impressão se desfaz nos episódios seguintes, quando Don “arrisca” a sua vida profissional em novas aventuras extra-conjugais.

Peggy Olson: Geração “Y” com cara de “Boomer”

No entanto, Peggy, ocupa em Mad Men, a mesma função que a personagem de Julia Roberts em Mona Lisa Smile, mas  em doses homeopáticas. Peggy é uma feminista sem se dar conta, como praticamente admite o criador da série em entrevista ao site Slate Magazine:

 “…E é parte da razão pela qual eu amo as pessoas falando sobre ela ( Peggy ) como uma feminista, porque eu acho que ela não tem idéia do que ela é política e que ela iria negá-lo. Ela é apenas alguém que quer o que ela tem direito…” (2)

Peggy realmente não tem o perfil de uma ativista politica: tem “alguma” prática religiosa, não se apresenta como uma “reformadora social”, está mais preocupada com seu progresso profissional, e o faz com competência, é ligeiramente tímida e rejeita muitos assédios, mas nem sempre…Ou seja, Peggy não é propriamente um “modelo de virtude”, mas é vista como tal, assim que chega para trabalhar na Sterling Coopers, e por isso, atrai admiração. Esse perfil, faz de Peggy Olson, uma personagem de certo modo artificial ou incomum , uma vez que reúne combinações pouco compatíveis com a época, em particular uma certa religiosidade, combinada com uma pronta disposição em se adaptar a “novos padrões” de comportamento sexual. E no campo profissional, Peggy pela sua “pressa” em crescer profissionalmente ( impressão de Roger Sterling na segunda temporada ), está mais para “Geração Y”, mas com cara de Boomer…(3)

A função de Peggy é mostrar o feminismo com uma “cara” simpática…

Na piscina de Palm Springs

Don Drapper : sua bela esposa não é feliz…

Já o que se pode notar em Don e até na “mal falada” Joan, é que ambos vivem como gostam de viver : de forma hedonista. Mas não consideram a si próprios, modelos de virtude, por isso mesmo, não são hipócritas: não fazem discurso moralista, o que faz muitos julgarem que são pessoas “autênticas”. Mas na verdade não são autênticos: são expontâneos, vivem entregues aos desejos do momento, mas se entregam com tanta frequência…..que essa expontaneidade costuma ser identificada erroneamente como “autenticidade”. Mas esse modo de viver, chega a um momento de reflexão para Don num episódio da segunda temporada, quando ele mergulha de vez na sua vida paralela de adultérios, já em crise no casamento: passa uma temporada em Palm Springs na Califórnia.

O que seria uma breve viagem de negócios, se tranforma numa “fuga” de três semanas ao se ausentar da família e do trabalho. Nessa viagem, conhece uma moça de 21 anos que o assedia de forma obstinada, e o leva para uma casa onde está hospedada parte de sua familia e uma turma de amigos: pessoas ricas e meio nômades, “ocupados” em simplesmente não fazer nada, além de ficar tomando sol na beira da piscina, bebendo, e tendo conversas fúteis em jantares exóticos, num ambiente frívolo e sem compromisso….

O ambiente choca Don. Ele não gosta do que vê, visto que está cercado de gente como ele, ou “pior” do que ele. Na casa de Palm Springs, Don não vê um só vestígio de virtude. Encontra ali, simplesmente um superlativo da sua rotina de vida. É a sua vida levada ao extremo. Numa cena emblemática, Don está sozinho na piscina, observa um casal se beijando e fica pensativo olhando para um copo, como quem se pergunta:

O que estou fazendo aqui ?

Onde fui me meter ?

Que tipo de gente é essa ?

Don caindo em si, parece pensar como o filósofo e escritor argelino Albert Camus, que recordando os jovens nas praias da capital de seu país, escreveu esses pensamentos:

“…O mar interpreta seu canto em contrabaixo. O sol, o vento leve… o azul já áspero do céu, tudo me faz pensar no verão, na dourada juventude que então enche a praia, nas longas horas passadas na areia, na brusca doçura dos crepúsculos…” (4)

“Os homens encontram aqui, durante toda a juventude, uma vida à altura de sua beleza. Depois vem o declínio e o esquecimento. Eles apostaram na carne sabendo que iam perder. Em Argel, para quem é jovem e esperto, tudo é refúgio e pretexto para o triunfo: a baía , o sol, os motivos em vermelho e branco dos terraços sobre o mar, as flores e os jardins, as moças bonitas…Mas quem perdeu a juventude não tem onde agarrar-se, para esse não existe lugar onde a melancolia possa fugir de si mesma”(5)

“Só existe uma verdade muito simples e muito clara, um pouco boba, mas difícil de descobrir e pesada para carregar… os homens morrem, e não são felizes “(6)

A comparação é inevitável: Palm Springs é a “Argel” de Don Drapper.

A “cara de cão” e a busca da felicidade.

O excesso de bebidas e cigarros e de infidelidades masculinas em Mad Men, acabam mostrando os anos 60 com uma “cara de cão”: evita-se na série, mostrar familias felizes para que possamos perceber que muitos homens e mulheres, foram felizes naquela época, mesmo com familias numerosas. Falar assim nos dias de hoje, é motivo para arrancar risos ou frases iradas de indignação – deles e delas…Mas pude colher num fórum americano que debatia o impacto da série Mad Men para as familias
americanas, um depoimento honesto de quem viveu a época:

“…Mas eu concordo que é provavelmente próximo de como era a vida para muitos de nós, e foi certamente mais animador do que em Mad Men. Sim, houve problemas. Eu acho que para as famílias negras, o início dos anos 60 não foi um tempo acolhedor e feliz, embora eu saiba que muitas famílias negras conseguiram viver uma vida feliz e saudável, apesar do tumulto e violência em torno deles. Houve outros problemas – as mulheres eram consideradas de segunda classe (não podiam ter cartões de crédito, não dirigiam, etc.) O medo de uma guerra nuclear era galopante (e ainda é!). O medo do comunismo era galopante (agora é o medo da Al-qaeda). E, claro, houve Viet Nam – Este dominava a minha infância. Mas foi, para a maior parte, um bom momento para ser uma família nos EUA, pelo menos até 1968. Então todo o mundo desmoronou.” (7)

Pode-se notar que o depoimento não traça a sociedade da época com uma visão de “anos dourados e felizes”, reconhece as mazelas e os conflitos, mas conclui que efetivamente as familias viviam um momento melhor. Juridicamente hoje, a mulher não é mais de “segunda classe”, mas continua a ser mal tratada, só que aprendeu a “dar o troco”…Pode-se ver nesta reação, uma justiça do tipo “olho por olho, dente por dente”. Ocorre que fica difícil concordar que foi uma “evolução” para a mulher “aprender” a imitar a infidelidade masculina, até por conta de uma mentalidade hedonista e individualista que hoje é dominante, a mulher se sente “amparada” a ter relações extra-conjugais, como se isso fosse um “direito” que o homem tivesse ( mas nunca teve ). Também não há como concordar que para a mulher foi uma “conquista”, reivindicar o “direito” de fazer “sexo sem amor”.

Bem, e o que aconteceu em 68 ? Foi o auge da contracultura e do “movimento hippie”.  A juventude embalada ao som do Rock, consumia drogas, pregava o sexo livre e contestava a religiosidade cristã e a família tradicional, consideradas como parte do “sistema”…É certo que havia todo um aparato ideológico, e de influência marxista, que foi tomando conta das artes, da imprensa e das universidades. O processo continuou e hoje já toma conta do meio político,  jurídico e pressiona fortemente o mundo científico.

Só que essa turma hoje, não se parece em nada com os hippies.  Deu espaço ao Yuppie ( Jovem Profissional Urbano ): gostam de roupas de grife, de sucesso profissional, são individualistas, mas acolheram a mentalidade hedonista dos jovens do final da década de 60. Ou seja: resolveram conciliar ao máximo a satisfação dos dois mundos: sexo e dinheiro.

A família se viu pressionada nesse quadro. A busca da felicidade hoje, exclui o altruísmo, a generosidade, e exalta a satisfação pessoal imediata e o individualismo. Se dentro do casamento essa busca individualista de “felicidade” se vê ameaçada, recorre-se sem titubear ao divórcio. Os filhos são adiados e reduzidos ao máximo, não por razões de ordem econômica – argumento frequente – mas para consolidar a realização pessoal – os projetos pessoais – e nesta hora, as crianças são vistas como um estorvo. As consequências sabemos: os filhos, tanto de familias mais pobres como das mais abastadas, não recebem mais a mesma atenção dos pais, mesmo sendo em menor número, resultando em queda no rendimento escolar, delinquência, ou na (de)formação de um futuro egoísta bem-sucedido, e quando o problema é reconhecido na mídia, não se fala em valorizar a família para se cuidar melhor dos jovens, e sim de apontar como solução, a promoção de “políticas publicas”, ou seja: sai a familia e entra o Estado.

Costuma-se hoje dizer que os casamentos antigamente duravam mais tempo porque eram casamentos de “fachada”, de “aparência”, e na verdade as mulheres eram infelizes. Ora, essa afirmação se tornou lugar comum, mas é preciso se ter em conta que quem afirma isso, são pessoas que não viveram a época, e se baseiam ora em ideologias e não na realidade, ora em relatos de pessoas que foram de fato, infelizes no casamento, e o mais importante de tudo: ativistas politicos costumam fazer muito barulho e acabam dominando o debate, colocando uma lente de aumento onde lhes mais convém, ainda mais quando se tem imprensa falando a mesma linguagem e lhes servindo de eco...

A verdade é que afirmar que o modelo familiar de antigamente, tornava as pessoas infelizes é uma sentença “política” e não tem valor científico.

Recentemente o filósofo Luis Felipe Pondé disse numa entrevista uma frase certeira :

“…Pena que as mulheres mais felizes não têm tempo para escrever sobre a relação delas com os homens…” (8)

Como afirmar que hoje somos mais felizes ?

Não estamos hoje na verdade, infelizes ?

Não é propriamente assim. Cada época tem seus aspectos positivos e negativos. A vida moderna oferece hoje, múltiplas possibilidades de sermos felizes, solteiros ou casados, mesmo com famílias com mais filhos e num mesmo casamento….O que não se pode afirmar, é que 50 anos atrás, as pessoas – em particular as mulheres – eram infelizes porque haviam mais filhos em casa e os solteiros não faziam sexo com a facilidade de hoje….

Não se trata portanto, de considerar a época atual como particularmente ruim, mas de reconhecer que se tivemos ganhos, também tivemos perdas, e isto está sendo difícil de reconhecer. E quando reconhecem, invariavelmente atribuem unicamente a culpa, à intolerância das pessoas, às irresponsabilidades dos governos, às crises econômicas, mas isenta-se completamente de culpa, os mentores do “politicamente correto”, que desiludidos com o marxismo no campo econômico, concentraram esforços, na mudança de comportamento, que desvalorizou o significado da vida promovendo o aborto, que promoveu a banalização do sexo, ( e queriam valorizar a mulher ! … ), que acionou a máquina juridica para expandir o divórcio. Estes “marxistas desiludidos”, ocuparam parlamentos, universidades, redações de jornais, tribunais, e programas de televisão. Acabaram por desfigurar a família e agora querem salvar o planeta, querem “direito” de matar uma criança no ventre da mãe… e se escandalizam quando uma baleia morre na praia…

O que está obscurecendo o nosso entendimento ?

Semanas atrás, o cineasta Ugo Giorgetti na sua coluna, no “O Estado de São Paulo” fez uma observação interessante, ao falar dos “chatos” no futebol brasileiro. Apesar do tema, o pensamento alcança uma profundidade tão grande que parece explicar muito mais :

“…Há uma espécie de modorra pairando sobre o País, que nos cobre a todos. Estamos felizes e satisfeitos, viajamos e compramos coisas. Esse estado de espírito talvez nos faça ser mais tolerantes com os chatos que estão por aí…” (9)

Note que o colunista aponta o consumismo – viagens e compras – como suficente para nos obscurecer e nos trazer satisfação e felicidade – ainda que uma “felicidade” meramente fisiológica…

Em 2006 na Mensagem de Natal, O Papa Bento XVI, também fez referência a esta “satisfação” :

“…Mas, tem ainda algum valor e significado um “Salvador” para o homem do terceiro milênio? Será ainda necessário um “Salvador” para o homem que alcançou a Lua e Marte, e se dispõe a conquistar o universo; para o homem que investiga indefinidamente os segredos da natureza e chega até decifrar os códigos maravilhosos do genoma humano? Necessita de um Salvador o homem que inventou a comunicação interativa, que navega no oceano virtual da Internet e, graças às mais modernas tecnologias dos meios de comunicação, já fez da Terra, esta grande casa comum, uma pequena aldeia global? Apresenta-se confiante e auto-suficiente artífice do próprio destino, fabricante entusiasta de indiscutíveis sucessos este homem do vigésimo primeiro século….

…Como não pensar que, mesmo do fundo desta humanidade satisfeita e desesperada, levanta-se um clamor aflitivo de ajuda?…”(10)

É essa “satisfação” que se sente hoje, que faz esquecer que precisamos de muito mais. Parece uma combinação incompatível: satisfação e desespero. Mas o desespero vem depois, e parecemos não saber de onde vem.

Santo André, 15 de Abril de 2012

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NOTAS:

(1) A expressão “cão” na letra da música se refere ao diabo, no linguajar popular brasileiro
(2) http://www.slate.com/articles/arts/interrogation/2012/03/mad_men_creator_matthew_weiner_on_season_5_.single.html
(3) Boomer ( Baby Boom ), Geração X e Y : Baby Boomers: nascidos no Pós-guerra, entre os anos 60 e 70, Geração X : nascidos entre os anos 60 e 70; Geração Y: Os nascidos entre os anos 80 e 90 : Estes últimos, são considerados imediatistas, pois nasceram em meio à velocidade do mundo digital.
(4) Camus, A., “Minotaure” pag. 20
(5) Camus, A., “Noces”, Edit. Charlot, Argélia, pag. 54-62
(6) Camus, A., “Calígula” pag. 111
(7) http://forums.catholic.com/showthread.php?t=486256 ( Aug 20, ’10, 5:55 am )
(8) http://delas.ig.com.br/comportamento/luiz-felipe-ponde-homens-e-mulheres-nao-sao-iguais/n1597726675244.html
(9) http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,precisa-se-de-um-chato-,843710,0.htm
(10)http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/messages/urbi/documents/hf_ben-xvi_mes_20061225_urbi_po.html


Respostas

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  2. Eduardo. Enfim, consegui acessar o seu blog. Gostei muito da análise social baseada na série Mad Men, bem como das citações relacionadas. Acho que você vai mesmo escrever um bom livro!

    • Obrigado Sueli. Estes temas aqui tratados meu dão “suporte” para o livro que virá em breve ! Abraço !

  3. Como sempre seus posts tem uma profundidade impressionante.
    A reflexão q faço é sobre nossos valores atuais .

    Estamos num mundo de solidão compartilhada pelas telas do computador.

    Tenho muita pena de minha geração e mais pena ainda da geração de crianças”orfãs de pai e mãe” criados pelo computador e pela tv!
    A familia deixou de existir qdo Deus deixou de habitar os lares…
    Qdo o lugar de Deus no coração das pessoas foi ocupado por outras “coisas” e a fé não é mais prioridade.
    Por isso as pessoas estão mais e mais insensíveis, mais e mais obstinadas em TER e não em SER.
    Usa-se as pessoas e ama-se as “coisas”.
    Valores invertidos num mundo q eu não vejo mais salvação.

    • Viviane, o grande problema, é que justamente as mesmas pessoas que contribuíram para destruir a família, querem fazer este mundo “melhor”, sem generosidade, sem altruísmo e sobretudo sem Deus….Eles se contentam e reciclar o lixo pra ver se aliviam a consciência. Abraço Viviane !

  4. Parabéns pela reflexão! A citação do Papa fecha com chave de ouro.
    Cristiane

    • Sim, o texto do Papa é de uma sabedoria impressionante. Foi exatamente o que pensei: Depois de citar Bento XVI, é hora de fazer silêncio e pensar…

      Obrigado Cristiane !


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